Já me disseram várias vezes que a fé em Deus é uma fé que não precisa de provas. Para começar, acho que isto não é uma fé que se tenha. Pelo menos não é uma fé que leve a uma certeza. Fé sozinha constroi hipóteses, e não certezas. Comprovação sim, leva à certeza, com ou sem fé.
Ter fé em Deus sem qualquer prova é, para mim, manter Deus no campo da hipótese. Mas não sei porquê, em relação a Deus, muitos crentes acham que a fé, exactamente por não ter qualquer comprovação, é ainda mais forte. Ou seja: quando as crianças acreditam no Pai Natal, é uma fé como as outras - uma fé que não leva a mais que uma hipótese. Mas a fé em Deus é vista como uma fé numa certeza que é mais certeza ainda por ser baseada numa fé sem fundamento (NOTA: Revisitar a frase "sem fundamento").
Claro que certas pessoas atribuem certos factos à vontade divina e isso para elas chega-lhes como prova que esse divino existe. Mas a atribuição de certos eventos à vontade divina é tudo menos obrigatória - as crianças, ao verem as prendas pela manhã na árvore de natal, rendem-se à existência do Pai Natal mas nem por isso ele existe. Esta relação entre acontecimento-Deus é de uma arbitrariedade inconsciente (acho eu), muito conveniente. De facto, a conveniência é tanta que imensas vezes ouvimos "Foi Deus" quando acontece uma coisa boa e "Misteriosos são os desígnios do senhor. Certas coisas não é suposto compreendermos" quando um maremoto mata 200 mil pessoas. Mas isto não representa maior parte dos crentes
anyway, já que muitos têm aquela consciência do facto (conveniente?) de Deus não influenciar de maneira nenhuma o decorrer das vidas humanas.
Face a tudo isto, face a uma crença que não prova nada, ouço muitas vezes que "simplesmente sei que ele existe", o que, se pensarmos que crer e saber nem sempre é assim tão diferente, não me leva a lado nenhum. Passamos a vida a confiar nas pessoas e apanhar desilusões, a discutir porque
sabemos que temos razão e depois não temos, a dar informações erradas e, oops, afinal as chaves não estavam em cima da mesa e eu discuti toda a manhã com a minha irmã por causa disso. Mas quando se sabe que Deus existe, mesmo sem nenhuma prova, Ah!, aí é diferente. Não conheces a minha namorada para poderes falar dela, não sabes qual a intenção de um filme para o poderes criticar, mas quando me dizes que um ser todo-poderoso nos criou e todo o pack que acompanha Deus, isso sim, sabes. Mesmo que não saibas.
"Mas sei. Sinto cá dentro". Mesma questão: quantas vemos sentimos agressividade na voz de alguém e a pessoa nos garante que está tudo bem? Os mal entendidos derivados de entoações mal percebidas são imensos. Porque sentimos coisas e confiamos nelas e às vezes não são fiáveis.
Afinal, porque é que milhões de pessoas, quase todas as pessoas, acreditam em Deus?
Há outra resposta que eu gosto. É aquela do "Não faria sentido se Deus não existisse". Pois claro que não faz sentido nascer e viver e, quando morremos, deixar simplesmente de existir. É ridículo, deprimente, absurdo. Claro que não faz sentido, mas ninguém disse que tinha que fazer! A existência de Deus daria um certo sentido a tudo (daria?), mas isso não quer dizer que ele existe porque nada nos garante que o tudo tenha obrigatoriamente que ter um sentido. É bastante circular que seja Deus a dar o sentido às coisas, o mesmo sentido que conduz à existência desse mesmo Deus. Acho que isto nem é possível.
Isto faz-me pensar que Deus é um mecanismo automático e inconsciente de defesa inato ao ser humano. Viver com a hipótese de a existência ser um absurdo pode ser, como já disse, deprimente. Deus é como uma esperança, e isto para mim é mais verdade de dia para dia. Talvez exista um Deus, ok, mas talvez seja tudo uma falta de coragem para enfrentar a mais dura condição intrínseca à existência: a sua absurdidade (ou absurdez? ou absurdice? ou absurdalhice? Ok isto já não é a sério).
Não que seja uma cobardia como a comum, que seja apontável e desapreciada. De facto, quem acredita em Deus, não tem qualquer consciência desta possível (repito: é um talvez) cobardia. Como disse, é um mecanismo de defesa automático, como espirrar porque um ser microscópico estranho nos entra pelo nariz, ou tossir quando algo nos fica entalado na garganta. Ninguém nos ensina, é humano e é um sistema que nos permite sobreviver e viver melhor. Como Deus.
Não há certezas neste post, claro. Mas há eu a habituar-me à ideia.