Se há momentos em que penso no que passa pela cabeça das pessoas, um dos momentos é quando tropeçam em sítios públicos (exemplo, nas escadas da estação de metro) e depois olham para trás, para as outras pessoas, e grunhem qualquer coisa a falar mal das escadas ou como o metro devia ter ali um aviso ou como aquele degrau é defeituoso. E quando isto acontece estão a tentar criar aqui uma ligação, uma intimidade, uma partilha da frustração do tropeção na qual não interessa a ninguém.
O que se passa aqui é que me estou a cagar para o que a pessoa possa vir a dizer a seguir. Não tenho vontade de me associar a ela e encontrar uma causa que partilhemos e que possamos culpar pelo tralho da pessoa. A pessoa tralhou porque ia a olhar para o outro lado. E fez um figurão de idiota quando caiu, e deu-me uma vontade de rir na cara dela como o caralho!! Hahahah! Estúpida! Ninguém quer saber do resto. Culpa os degraus, culpa a gerência do metro, tenta salvar a tua dignidade, o facto é que ninguém quer saber disso. Não vale a pena olhar para trás, procurar os olhos cheios de compaixão do resto das pessoas, e culpar o degrau com cara de quem diz "Este país é uma miséria, nem escadas de jeito tem". Quando alguém cai, é automaticamente excluído e escorraçado, é diferente, é inferior, não tem que se relacionar com os outros nem pelo olhar porque os restantes só estão ali para que ele se lembre do quanto acabou de ser ridículo. Estamos ali para que a pessoa tenha vontade de enfiar a cabeça na areia e esconder-se um ano ou dois.
Não há compaixão quando alguém tropeça e cai. É mesmo só isto. Não vale a pena procurar integração nos olhos dos outros. Culpar o degrau ainda piora a situação. Já que não nos livramos da humilhação, do riso interior dos outros, mais vale recorrer ao "damage control", olhar para a frente e seguir. Idiota de merda.
Já que aqui estou, que merda de expressão "rir a bandeiras despregadas". Quem será que inventa estas merdas? Desde quando é que "bandeiras despregadas" se tornou um
modo de fazer alguma coisa? De rir, neste caso. É que não há relação possível, não há maneira de ligar o verbo "rir" ao conceito "bandeira despregada" que me dê uma pista do quanto a pessoa está exactamente a rir. É tão claro para mim como dizer "Estou a cozer bacalhau como se ondas da praia!".
E se houver um motivo para esta expressão existir, eu sugiro que ele seja esquecido e deixemos de usar a frase e pronto. Porque se eu, um tipo tão inteligente, não consigo entender a ligação rebuscada que se faz aqui, então é rebuscada demais para o resto do povo e não vejo porque não deveríamos deixar esta expressão de merda cair no desuso.