Todos os dias, depois de 51 minutos de comboio mais 6 ou 7 de metro, atravesso a zona de Benfica, em Lisboa, completamente alerta. Os assaltos são fenómenos frequentes naquela zona. Ao fim do dia, no anoitecer recente, redobro a atenção: regulares rotações de 360 graus para manter um controle sempre actualizado do movimento à minha volta.
Hoje, um dia normal, fiz o mesmo percurso, a mesma atenção e a mesma tensão. Atravessei o bairro sem problemas, 7 minutos de metro, 51 minutos de comboio, e chego a casa para reparar que me roubaram a roupa do estendal.
Sim, porque não basta estar todos os dias exposto numa zona onde há assaltos todas as semanas, à porta da escola se for preciso (e digo isto porque aconteceu). Não, tem de haver uns seres humanos merdosos que me venham roubar a roupa do meu estendal! E não vou ver o telejornal, porque já sei que alguém foi assassinado.
Agora imaginemos que vou ali à loja de animais e compro um gato ou um cão ou um koala. E depois chego a casa e espanco-o. Melhor: faço-o na rua à frente de toda a gente. Atiro com o animal contra um poste vezes sem conta e depois atropelo-o. E ninguém me impede porque um animal não constitui personalidade jurídica e, aos olhos da lei, enquanto o animal for legitimamente meu, não estou a cometer qualquer crime. Um cão que nunca me roubou 3 pares de
jeans e duas
sweatshrits do estendal.
Ou um gato que nunca me tenha apontado uma faca para me ficar com o telemóvel e uns trocos.
Bom, mas ao mesmo tempo que eu me lamento mais pelo estado do mundo que pela roupa, a minha irmã mais velha, que vive na Alemanha, está a trabalhar enquanto o carteiro lhe leva uma encomenda grande demais para caber no rectângulo por onde as cartas entram. Dado isto, o carteiro deixa-a à porta do prédio. Exactamente, à porta do prédio onde toda a gente passa, à porta do prédio que é o mesmo que dizer no meio da rua. Algum tempo depois, a minha irmã sai do trabalho e vai jantar com uns amigos. Aproveita para ir sair com eles e quando já é noite avançada, decide passar a noite em casa de uma amiga, onde acaba por passar dois dias. No fim desses dois dias, volta a casa e, à porta do prédio, no meio da rua onde toda a gente passa, está uma embalagem que não coube na caixa do correio. Uma encomenda intocada. Até tem pó. E isso não é tudo: olha para o lado e repara que deixou a bicicleta nova em folha sem cadeado durante aqueles dois dias. (Mais uma vez, factos verídicos). Enquanto isto acontece, aqui em Portugal roubam-me a roupa da corda.
Caralho pá!
Depois perguntam-me porque é que não pus a bandeirinha nas semanas do Euro 2004. Sim, força Portugal! Rouba aí uns nokias topo de gama aos espanhóis! E uns rins às crianças inglesas, também!
Caralho² pá!